Quantos sou?
Quantas pessoas cabem em uma mesma pessoa? Todos que a habitam moldam um ser único dentro de sua singular multiplicidade.
Aqui vão alguns poemas dos meus muitos seres que sou e que já fui, todos do meu primeiro livro de poesias, o Punkpoemas (Nossa Cultura, 2015):
Um dia pensei que era um bom menino
Havia tanto azul naquela cor
Coloria a vida que pensei que sou
O Cadillac atropela a pin-up
Glamour
Derrama-se em vermelho a cor
O vento veio e algo se alterou
A linha do menino arrebentou
A raia rasga no céu a palavra amor
—-
Gente é pra brilhar
Era noite
Chovia
Bar aberto
Eu dentro
A mulher das rosas também entrou
No colo
O filho era ranho
E braços
E pernas
E cabeça caída
— Compra uma rosa prela, tio!!??
— Ela não merece - reposta de sempre
Um pedaço da criança
Escorreu pelos calcanhares
E caiu no meu copo
— Cadê o garçom?
Em cada rosa confinada em plástico
Vendida ia com ela
Um pedaço escorrido da criança
Pequeno botão de espinhos
Nas pétalas
A cor da vida que escorre
Na vida
A lembrança da cor
—
Uivos de sax
Casa de madeira
Janela aberta
O sol esparrama-se preguiçoso pelo quintal
O som do sax amansa
ainda mais
a calma tarde do arrabalde
Por prazer ou protesto
o cachorro acompanha
aos uivos
auuuuuuuu auuuuuuu
—
Ano-novo
Ontem
Sola de petit-pavé
Hoje
Bunda de sofá e olhos de tevê
Ontem
Livros, cinema, toda a gana de saber
Hoje
Trabalho, preguiça, cara mais burro tô pra ver
Tesão aventura poesia rebeldia
O selvagem é domesticado
Hoje, tudo ele adia
Um presente postergado
Um futuro que havia
Ontem é ultrapassado